Chegou a hora
F de Final, F de Farto
A dicotomia
Foge-Foge
Ás vezes o amor não chega
A água que cai do céu
O fim ou o início
21 Gramas
Sentido de Orientação
Pedra Papel Tesoura

Banda Sonora
Jardins Proibidos
As viagens para fora da minha Terra
O auditório
Prendas e Presentes
A vida por um fio
O som do Mar
Crime
Coisas do inverno
Sangue do meu sangue
As corridas em que sempre queres ter companhia deixam o teu corpo cansado e a tua mente feliz. O corpo pequeno que perde o fôlego tão devagar quanto o meu e me deixa a pensar qual a energia que plantaram dentro de ti. És sangue do meu sangue, são sangue do meu sangue. Serão as paixões da minha vida cada vez que entrarem no meu mundo, com os vossos sorrisos, com os vossos abraços tão inocentes e ternurentos. São vocês que eu quero ver a partir do outro mundo porque enterrar um pai magoa muito, mas enterrar um filho magoa muito mais.
Nasceste e estás a crescer, mas não estás só, nunca vais estar. Contigo trouxeste mais uma alma. Essa ainda chora, não fala, mas já ri. Hoje são os vossos risos que se propagam dentro do meu coração.
Solto-te
Cansado
A Cave
Coimbra

Flores

Mil flores espalhadas pela calçada dessas ruas estreitas que impedem os altos prédios de se abraçarem ao final da tarde. O aroma que fica concentrado no ar intensifica-se com o amontoado de cheiros que se liberta de cada pétala caída. Essa essência que permanece suspensa quase pode ser tocada pelos meus sentidos e sentida pelos meus toques. Já não é são os vossos cheiros e as cores pintadas pelo chão que me deixam aqui paralisado a olhar para vocês porque já deixaram de ser simples flores para serem simples desejos, uns bem mais simples que os outros.
Mil flores a voarem pelo céu sem sitio para onde ir, sem vontade de chegar. Pairam soltas pelo ar, arrastadas pelo vento, despidas pelo sol e vestidas pelo luar. Fogem-me por entre os dedos velozmente deixando as cores por arrasto e os cheiros por suspenso. Já não têm a mesma magia que antes, tenho que correr para vos apanhar e mesmo assim já não vos consigo tocar.
Uma flor, um sabor desenterrado no meio do nada. Ao fundo do túnel deixou de existir a luz para nascer o deserto. O infinito, o mundo ardente e de cores esbatidas ainda deixa espaço para tu apareceres por entre os grãos de areia amarela. És uma flor imóvel que posso tocar, cheirar e observar sem medo que fujas porque aqui não há lugar para onde ir. És uma flor do deserto e ao mesmo tempo um cacto com espinhos.
Mil Sabores, Formas e Cores... Mil e uma Flores
Noite
Entras-te no mundo das luzes. Brancas, vermelhas, amarelas, que, ao mesmo tempo iluminam o mundo e os caminhos, são capazes de cegar se não esperarmos um encontro imediato com os seus segredos. Elas não soltam os segredos como simples confissões, presenteiam-nos quando sabem que já não podemos escapar da sua fúria.
Deixa-te contagiar pelo novo universo que acabaste de descobrir. Há estrelas cadentes por toda a parte, para cá, para lá e tu mal consegues fixar-lhes o rosto. São rápidas e nem dá para entender de onde vêm e para onde vão. Ficas apenas com um pequeno gosto, doce, do que podes descobrir. Queres agarra-las, tocar-lhes, sentir os contornos da superfície e nenhuma delas pára perto do teu abraço.
Não desistes, procuras por toda a parte e tudo é diferente mas tens a sensação de que é igual. Os mesmos gestos, as mesmas atitudes, as mesmas vontades com estrelas diferentes. De mansinho, começas a sentir um calor crescente à tua volta. Uma estrela deixou de ser cadente e parou mesmo a frente dos teus olhos. Sorris, agora podes tocar-lhe.
A casa

Abri os vidros e senti o calor tórrido e o sol abrasador que inundava todo o sítio. No instante seguinte soprou uma brisa cortante, não era aquela brisa que refresca nos dias quentes de verão, era sim um ar quente que sufoca. Olhei à esquerda, estava uma casa com a porta aberta e decidi ver mais de perto.
A casa pintada de branco ostentava baixas grades verdes e um pequeno jardim por baixo da varanda em que estava a porta de entrada. Toquei á campainha e enquanto esperava olhei em volta. O jardim não estava só por baixo da varanda, rodeava toda a casa na companhia de árvores e arbustos com frutos de muitas cores e feitios. A mangueira estendida no chão e ainda molhada era seguramente o motivo pelo qual dentro daqueles muros tudo estava verde mesmo debaixo daquele calor intenso.
Farto de esperar abri o portão de ferro, estava um pouco perro e as duas portas do portão rasparam uma na outra. Ouviu-se um barulho de metal a ser limado tal como o ranger de uma porta de madeira. Tinha à minha frente umas escadas de pedra, mármore, que levam à varanda onde se encontra a entrada e em volta um passeio que rodeava a casa ao longo do jardim. Subi as escadas, lá de cima tinha uma melhor visão mas mesmo assim continuava perdido. A porta aberta foi um convite a entrar.
A casa parecia vazia, não se ouvia uma única voz e tudo parecia sereno por isso decidi continuar pelo corredor. Procurei nas salas e no quarto ao longo do corredor mas não encontrei ninguém. A meio um espelho suspendido na parede que parecia de uma época passada e reflectia o meu rosto. A última porta dava entrada na cozinha. Era uma divisão grande e mais parecia uma sala de estar do que um lugar para apenas cozinhar. Ao fundo tinha outra porta para a rua, a porta das traseiras, ouvia ruído vindo de lá e aproximei-me.
Estava uma criança a brincar num pequeno pátio e numa fracção de segundos reconheci-a. Já sei onde estou. Sou eu, e esta é a casa em que sempre vivi.
Praia

O barulho das ondas reflectido pelas rochas tornava o ambiente relaxante o suficiente para adormecer e ao mesmo tempo as areias douradas dão vontade de serem percorridas. Eram poucas as pessoas sentadas naquela língua de areia e muitas delas apenas contemplavam o bater das ondas da maré que ia encher pela noite dentro.
Sentei-me e deixei o sol queimar a minha pele. Estava quente e a sensação de estar vivo era facilmente transmitida apenas com um sorriso. O sorriso não é o suficiente para a maioria das pessoas, mas naquele momento, para mim, era tudo aquilo que tinha e que me fazia sentir bem.
A água fria pedia para ser acariciada pelas minhas mãos. Tinha a certeza que quando me encontrasse com ela era eu a sentir frio e não o mar a sentir calor. Talvez fosse motivo para estar preocupado mas não estava, era mais uma coisa para me arrefecer quando só tinha o sol para acalentar.
Perdi a vontade de provar as ondas do mar e mantive-me sereno junto às rochas que serviam de companhia. O sol baixava devagar e as sombras ficavam mais longas criando um cenário perfeito para sonhar acordado. Tudo acontecia ao ritmo perfeito para ser contemplado.
Caiu a noite e o som do mar permanecia o mesmo. A areia permanecia a mesma, ainda quente emanando o calor acumulado nas horas de sol. Eu era o mesmo, sentado no mesmo sítio ao encontro dos mesmos pensamentos. Levantei-me. Olhei para trás e vi. Deixaste-me com vontade de sorrir.
Queima

Consigo vê-lo pelos espelhos da alma mas não lhe consigo tocar porque não deixas. Guarda-lo dentro do teu pequeno pedaço de mundo que já se tornou imune ao seu calor. Tu toda já te tornaste imune á sua soberania e agora és tu que o dominas e não ele que te domina a ti. Gritas que é teu, que o vais soltar para que queime e nem reparas que o resto ainda não está imune. Eu ainda não estou imune.
Quero fugir na hora que o mostro se soltar porque sei aquilo que me vai fazer. Vai-me agarrar, prender, sufocar e necessito que estar pronto para quando o momento chegar. Se não estiver preparado vou acabar ardendo por dentro e derretendo por fora.
Cada segundo que passa em direcção ao momento da libertação faz-me perder um golfo de ar. Sinto-me a sufocar mas consigo continuar firme até ao momento final que não sei quando, nem como, nem se vai chegar. Cá o espero. De frente para ele, para que não me ataque sem que eu saiba quando vem.
Esta mais perto, tenho mais medo, tenho mais receio. Pensava que estava preparado mas no momento em que senti que ia acontecer tremo sem controlo das minhas próprias acções. O fogo que é teu e fazes questão de lembrar está cada vez mais perto de mim. Já consigo sentir uma chama e um calor como nunca tinha encontrado.
O fogo quente que queima e quer continuar a arder dentro de ti e que apenas sair quanto tu deixares começou a queimar o mundo à tua volta e agora, duvido como vais faze-lo parar.
Palácios Confusos

A entrada nos Palácios Confusos era feita por umas escadas que desciam até ao inferno, ou se preferires que subiam até a terra, tudo depende do sentido em que são percorridas. Escadas gastas, por onde já passaram muitas caminhadas e que não conseguem disfarçar o peso do passado. Por causa de tudo o que já viram, sentiram, encontraram e esconderam consigo entender que têm segredos pesados de mais para uma simples passagem.
Desci as escadas e não sei onde acabei por parar. Uma rua estreita, tapada por muralhas altas que não deixavam entrar a luz da lua de noite nem a luz do sol de dia, embora tanto uma luz como outra sejam exactamente a mesma. O chão era coberto por pequenas pedras que feriam sossegadas sem que nada as importunasse e mesmo depois da passagem de tanto vento, água e fogo ali estavam para cumprir a sua missão.
As ruas construíam um labirinto de caminhos esquecíveis em que nem mesmo as janelas trabalhadas na pedra davam como ponto de referência. Havia luzes de cores invulgares em cada uma das janelas que clareavam as ruas na forma de um arco ires desconcertante que confundiam ainda mais que as tentasse descortinar. Se era fácil ficar confuso antes de entrar então agora era ainda pior.
Dei voltas e voltas até encontrar algo de novo e por fim uma descida acabei por vislumbrar. O que faz uma descida no inferno? Existe algo para lá disto? Não quero saber a resposta, já estou confuso que chegue e quero voltar para a terra.
Ligação
Liguei-me a ti. A tua voz fluía para dentro de mim por paços mágicos como os sons das cordas de uma guitarra prosseguem pelo ar sem que ninguém os veja mas todos os ouçam. Mesmo quando estas longe eu consigo sentir-te como se descansasses o teu rosto no meu ombro. Não sei porque, mas estou ligado a ti de uma forma estranha e da qual não me quero libertar.
Era essa ligação invisível que criei, que criamos e que ninguém era capaz de explicar, que me fazia sorrir pela manhã mesmo nos dias em que não apanhava esse comboio para te tocar. Não era preciso. Chegava-me os pensamentos partilhados entre ambos e os sonhos que alimentava com a tua a falta da tua presença e com a vontade de te abraçar.
Deixava-mos a nossa ligação tomar conta de tudo e esquecíamos daquilo que era essencial, as ligações não duram para sempre quando não cuidamos delas e nós tínhamos deixado de cuidar da nossa à muito e ainda não tínhamos reparado que ela estava quase a partir. Tentei com força agarra-la tal como tu também tentaste e para mantermos a telepatia viva só juntos o íamos conseguir, para não deixar o comboio parado na estação, para não deixar cair a ponte que estávamos a atravessar, tínhamos que conseguir juntos. Era tarde de mais, não conseguimos.
O outro lado
Culpa

Há dias em que nunca nos sentimos bem com aquilo que somos, era um desses dias e qualquer pessoa que me dissesse o contrário era para mim uma imagem vazia. Perdia a vontade de estar acordado, deixava o silêncio apoderar-se de mim, queria dormir. Sozinho, alegre e triste ao mesmo tempo, era assim que a culpa, tua ou minha, se apoderava de mim. Em ti não sei que efeito causava, mas a última coisa que espero que sintas é indiferença porque essa já a dei aos meus olhos por eles estarem farto de responder a perguntas.
Encontrei no teu olhar o gelo da tua culpa, e perdi o calor do teu arrependimento no entanto, não ia ficar à espera da tua confissão. Procurei um espelho para ver quem era e no que estava transformado. Desejei contemplar o mesmo que estava acostumado. Ansiei que a mudança fosse nula. Tive medo do que podia descobrir, mas o sentimento de incerteza estava a corroer os meus sentidos.
Encontrei finalmente. Agoniei antes de ver a imagem. Vi. Estava lá. O meu sorriso, esse mesmo que me acompanha. Porque alguém me disse, “Enquanto alguém te faz sorrir ninguém te pode fazer chorar”.
Distância

Do lado dessa esquina estava uma estrada que parecia não ter fim. Não sabias, mas a única saída que essa rua te proporcionava era a queda num precipício, mas o medo era demasiado para te permitir regressar. O cansaço nos teus olhos e o suor no teu rosto denunciavam a falta de forças que o teu corpo já sentia mas mesmo assim havia uma razão mais forte que tudo para te fazer andar. Agora andas, embora ainda tenhas vontade de correr, porque os teus membros já atingiram o limite.
Os cheiros e as cores dessa jornada eram agora mais nítidos e passavas por eles muito mais lentamente o que fazia com que realmente entendesses o seu significado, de que estavas distante de tudo. Paraste. Estavas ofegante e compreendeste finalmente, não eras tu que te tinhas estado a afastar de todo o mundo, era todo o mundo que tinha sido afastado por ti.
Feitiço
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Os teus paços firmes fazem ecoar o som dos teus saltos por entre os labirintos e as gavetas da minha cabeça, as formas do teu corpo fazem desenhos nos quadros da minha alma que a cor dos teus olhos se encarrega de pintar. Não me consigo defender disso, tu entras sem pedir licença e não sais porque eu quero que fiques.
Trocamos sorrisos e olhares tal como dois seres apaixonados trocam cartas de amor, mas nunca passaram de momentos instantâneos e comuns às nossas faces, entrelaçados, finitos. Entrelaçaste o teu sorriso com o teu olhar, mais tarde juntaste-lhes um toque da tua voz e um pozinho do teu sabor e deixaste o mundo à tua volta enfeitiçado. Esse feitiço duradouro deixou-me mais facilmente seduzido.
Por instantes, pareceu ter cativado os teus instintos. Mas cada vez que voltas as costas deixas de enfeitiçar o ar que te rodeia e quebras a magia que me lançaste. É nessa altura que consigo acordar do meu sono e ter a capacidade de reconhecer que o teu feitiço não era para mim, tu enfeitiças tudo aquilo em que tocas.
Envelhecer

Adoravas os baloiços e os escorregas que tantas nódoas negras te ofereceram. Nunca te cansavas de correr e saltar, gritar, rir, andar de bicicleta, bicicleta essa que te fez cair inúmeras vezes só por vingança de lhe teres retirado as rodinhas pequenas.
Mais tarde, quando já deixaste de correr para andar, apreciavas os prazeres da vida de uma maneira única. Sentias cada sorriso das pessoas que amavas como se fosse teu, e cada lágrima como se te saísse do olhar. Não vacilavas porque tinhas força para aguentar tudo o que se metia no teu caminho e para te levantares depois de uma derrota. Mesmo nos dias maus voltavas-te para mim e dizias que o sol voltaria amanhã para nos acordar e na altura não acreditava em ti, mas mais tarde acabava por concordar. Soubeste que se pode amar alguém mais que a própria vida e que o mundo lá fora está sempre pronto para agitar aquilo que estavas a construir.
Depois de teres finalmente construindo o teu império era hora de descansares. Foram as pantufas o calçado que mais utilizaste durante as noites frias de inverno em que te aquecias à lareira. Permitiste que te aparecessem rugas à flor da pele e cabelos, brancos, por entre os poucos negros que iam restando.
Agora vejo eu aquilo que passou na tua vida durante todos estes ano, tudo o que o vento te trouxe e logo te levou no momento seguinte, todos os sorrisos que me deste e o mundo que me oferecias quando estavas feliz. As rugas profundas marcam o teu rosto como a experiência marca a tua alma, a experiência de quem tem muito para ensinar.
Começaste a correr, passaste a andar, acabaste sentado no teu trono que tanto trabalho deu a construir e se for preciso fico parado ao teu lado para sempre só para te dizer que não estas só.
Palavra

Não penses qual vais escolher, em vez disso escolhe a que estas a pensar. Enquanto penses deixas que o fictício se apodere de ti e isso não é o que espero ouvir da tua boca. Sente, escolhe e fala.
Gostava de ter o poder para entrar pelo teu olhar em direcção aos teus pensamentos porque, afinal de contas, os olhos são as janelas da mente e sabem que palavra foste escolher. Encobres os sinónimos dos teus sentimentos por trás dos teus gestos tal como escondes as tuas palavras no cristalino do teu olhar para que ninguém descubra as vontades que confinas no espírito.
Assim é difícil encontrar uma fenda na tua muralha atrás da qual te escondes durante as manhãs que te vejo sorrir e as noites que não te vejo nem te oiço chorar. Quero ouvir-te chorar, quero que cada lágrima tua signifique uma letra da minha palavra. Quero ver-te sorrir, quero que cada sorriso teu seja uma frase para eu usar. Quero ver-te saltar e brilhar, quero que cada salto seja um momento para me inspirar. Quero ver-te olhar, quero que cada olhar seja um mundo para me fazer viver.
Um mundo vale muito mais que uma palavra por isso guarda as lágrimas e encontra o brilho que tens escondido dentro de ti, pois o mundo já tu constróis só por existires.
Silêncio

Depois ficou o silêncio entre os raios de sol que nos separavam naquela manhã bonita de Dezembro. Ninguém foi capaz de fazer soltar mais uma simples palavra da boca para quebrar aquele momento e o silêncio prolongou-se para lá do infinito. Estavas ofegante depois de tanto esforço, no entanto o teu olhar penetrava em mim como quem acaba de acordar e tem um “bom dia” para oferecer, um olhar que me transformou em estátua imóvel que queria dar um passo em frente mas estava congelada.
Continuava o silêncio, mas já não me sentia congelado porque o teu olhar me tinha aquecido e dado vida. O teu olhar, o teu rosto, os teus lábios, as tuas mãos, tu estavas a possuir-me com a tua beleza sem te aperceberes do poder que encerravas. Olhei-te e, desta vez, o sol, que entrava pela janela e nos separava, estava agora atrás de ti para me deixar apenas vislumbrar os teus contornos. Era o suficiente para ter a certeza que queria estar perto de ti.
Continuava o silêncio mas agora estava na hora de me mexer. O teu olhar atraia-me como um doce atrai uma criança e não tive escolha, fizeste-me perder o controlo que o silêncio me tinha conferido. Mexi-me, toquei-te, abracei-te com força e finalmente o silêncio terminou. Agora conseguia ouvir o som do bater do teu coração.
Futuro

Fico sentado, à espreita, à espera, na janela do meu universo enquanto os dias passam e as estações do ano se seguem. Chegam a repetir-se vezes sem conta sempre iguais, sempre da mesma forma, mas mesmo assim não consigo encontrar um caminho para me levar para longe dos meus receios.
Passa o Outono enquanto as folhas caem suavemente sobre o parapeito do meu universo. As folhas que antes foram verdes e sonhadoras agora perderam todas as suas cores e formas porque lhes roubaram as fantasias deixam as suas árvores despidas de beleza. Sei que agora o futuro me trás o Inverno.
Passa o Inverno enquanto os flocos de neve pintam os caminhos de branco e deixam as crianças criarem bonecos de neve que ganham vida na sua imaginação e as fazem sorrir no seu mundo inventado. Sei que o futuro me trás a Primavera.
Passa a primavera enquanto se ouve o chilrear dos passarinhos quando fazem os seus ninhos escondidos por entre a nova folhagem das árvores. Pássaros que, mais tarde, vão aprender a voar e fugir para outras paragens consoante os seus fúteis caprichos de adolescente. Sei que o futuro me trás o Verão.
Passa o Verão com os seus dias quentes enquanto se vê o pôr-do-sol à beira mar e com as suas noites mágicas em que se espreitam as estrelas ao luar. Sei que o futuro me trás o desconhecido porque continuo fechado dentro do meu universo, atrás de uma janela que não abre e com um vidro a separar-me do mundo lá fora.
Quero sair, quero abrir a janela e ir embora para sentir o cheiro das folhas no Outono, o frio da neve no Inverno, o som dos pássaros na Primavera, o calor das noites de Verão, o amor que tenho para encontrar.
A ponte para o nada

Parecemos tão pequenos quando ficamos horas a observa-la tentando imaginar onde nos leva, tentando descobrir o que os nossos olhos não conseguem alcançar e qual é o mundo que está no fim desse caminho. Queremos dar o passo em frente sem cair no oceano e sem ficar perdido nos labirintos que conduzem ao centro da terra, mas o medo de tombar na longa viagem é mais forte do que a vontade dos nossos sonhos.
Passávamos dias e dias sonhando com a felicidade que pensávamos estar no fim daquela ponte, sem questionar o dogma que fomos criando e as invenções que fomos fantasiando. Passávamos dias e dias enquanto a esperança, de algum dia ter um sorriso no resto, se ia desvanecendo. Tudo era melhor que estar aqui e tudo era pior do que o desconhecido.
Aquela ponte era a única coisa que nos fazia existir tal como éramos. Talvez já nem existíssemos realmente porque já não sabíamos viver naquele lugar, apenas queríamos fugir. Apenas queríamos ir embora sem pensar no que vinha depois, sem pensar com quem íamos estar, sem pensar se íamos conseguir.
Precisava da luz das estrelas para começar a minha viagem até ao outro mundo porque para nós, aquela ponte era a ponte para o nada, pois o nada era melhor que o nosso tudo.
Esquecimento

Guardei tudo o que podia nas minhas gavetas durante os dias em que julgava estar a construir as linhas dos meus desenhos. Guardei cores e fantasias e juntei lápis com canetas porque tudo sabia tão bem que nunca queria que acabasse. Juntei gavetas e gavetas para nunca mais as perder mas hoje são essas mesmo que quero deitar fora e não consigo. Não consigo abrir espaço para elas saírem, são grandes de mais para estarem guardadas em mim, quero que alguém as venha buscar e leve para longe.
Deixei, esqueci, deitei-me e apaguei a luz para dormir mas não consegui para de ouvir o barulho do silêncio. Era ensurdecedor e não me deixava adormecer. Fez-me levantar. Não conseguia abrir os olhos porque a luminosidade da escuridão era mais forte que a luz do sol. Fez-me fechar os olhos. Deixei de sofre durante o tempo que senti tudo controlado, mas dei por mim em pé, de olhos e gritando para alguém ouvir só que não estava ninguém e ninguém respondeu. Gritava mais alto e não conseguia parar quando a voz começou a doer e o som do grito ecoando na minha cabeça até que o grito parou porque esgotei as vontades que me faziam gritar. O grito parou, mas continuava a ouvir o som sem me aperceber de onde vinha quando notei que nunca tinha sido eu quem estava a gritar, tinha sido o meu coração a impedir-me de cair no esquecimento.