Ainda hoje penso sobre o crime que cometi. Longos anos passados mas ainda estão presentes memórias, não esquecidas, desse dia. Agora, relembro-as, abraçado à escuridão e ouvindo o chorar da chuva que bate nas caleiras. Era um dia equivalente ao que hoje vivo, frio, triste, o dia perfeito para conceber as acções das quais hoje me arrependo.
Os impulsos, instintos animais, tomaram conta dos meus movimentos. Tentava resistir com todo o meu vigor mas, mesmo assim, todos os esforços foram em vão. A força da natureza tem tanto poder sobre a nossa íntegra consciência que não conseguimos resistir. Deixei-me ir, sem vontade para opor-me, mesmo sabendo o que estava prestes a acontecer. Não queria voltar para trás, não queria deter as minhas mãos, não queria prender o meu coração.
Tinha obrigação mas não sou capaz de recordar os pormenores desse momento tão marcante. Durante noites tive sonhos e pesadelos com a expressão do teu olhar naquele momento. O poço sem fundo que eram os teus olhos, o sorriso rasgado pelo teu rosto e a tua pele quente de desassossego tornaram aquele momento tão mais prazeroso que não soube como reagir. O crime ficou apenas consumado por metade.
As razões para o incompleto nem sempre parecem claras depois de tanto tempo. Se muitas coisas podem mudar apenas num segundo, muitas mais mudam certamente numa vida. As minhas mudaram tão rápido que não tive tempo de guardar uma recordação e apenas guardei um arrependimento. Tu estavas lá, viste o que eu vi e eu vi o que tu viste. Ouviste. Sentiste. Aconteceu. Tu foste minha cúmplice, aliada e parceira. Sem reacção aos meus gestos e, ainda, incentivando os meus actos. A partir desse dia ganhei um peso na consciência e uma marca no coração e espero que tu também.
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