Futuro


O meu passado, o meu presente, o meu futuro. O meu, o teu, o nosso ou até mesmo a falta dele. Aos pedaços, lentamente ou aos trambolhões quero o meu futuro de volta.
Fico sentado, à espreita, à espera, na janela do meu universo enquanto os dias passam e as estações do ano se seguem. Chegam a repetir-se vezes sem conta sempre iguais, sempre da mesma forma, mas mesmo assim não consigo encontrar um caminho para me levar para longe dos meus receios.
Passa o Outono enquanto as folhas caem suavemente sobre o parapeito do meu universo. As folhas que antes foram verdes e sonhadoras agora perderam todas as suas cores e formas porque lhes roubaram as fantasias deixam as suas árvores despidas de beleza. Sei que agora o futuro me trás o Inverno.
Passa o Inverno enquanto os flocos de neve pintam os caminhos de branco e deixam as crianças criarem bonecos de neve que ganham vida na sua imaginação e as fazem sorrir no seu mundo inventado. Sei que o futuro me trás a Primavera.
Passa a primavera enquanto se ouve o chilrear dos passarinhos quando fazem os seus ninhos escondidos por entre a nova folhagem das árvores. Pássaros que, mais tarde, vão aprender a voar e fugir para outras paragens consoante os seus fúteis caprichos de adolescente. Sei que o futuro me trás o Verão.
Passa o Verão com os seus dias quentes enquanto se vê o pôr-do-sol à beira mar e com as suas noites mágicas em que se espreitam as estrelas ao luar. Sei que o futuro me trás o desconhecido porque continuo fechado dentro do meu universo, atrás de uma janela que não abre e com um vidro a separar-me do mundo lá fora.
Quero sair, quero abrir a janela e ir embora para sentir o cheiro das folhas no Outono, o frio da neve no Inverno, o som dos pássaros na Primavera, o calor das noites de Verão, o amor que tenho para encontrar.

A ponte para o nada


Quantas vezes não imaginaste passar a ponte que vês ao longe mas tens medo porque não sabes onde ela vai parar. Eu sei que já imaginaste porque todos nós já o fizemos, muito mais que uma vez.
Parecemos tão pequenos quando ficamos horas a observa-la tentando imaginar onde nos leva, tentando descobrir o que os nossos olhos não conseguem alcançar e qual é o mundo que está no fim desse caminho. Queremos dar o passo em frente sem cair no oceano e sem ficar perdido nos labirintos que conduzem ao centro da terra, mas o medo de tombar na longa viagem é mais forte do que a vontade dos nossos sonhos.
Passávamos dias e dias sonhando com a felicidade que pensávamos estar no fim daquela ponte, sem questionar o dogma que fomos criando e as invenções que fomos fantasiando. Passávamos dias e dias enquanto a esperança, de algum dia ter um sorriso no resto, se ia desvanecendo. Tudo era melhor que estar aqui e tudo era pior do que o desconhecido.
Aquela ponte era a única coisa que nos fazia existir tal como éramos. Talvez já nem existíssemos realmente porque já não sabíamos viver naquele lugar, apenas queríamos fugir. Apenas queríamos ir embora sem pensar no que vinha depois, sem pensar com quem íamos estar, sem pensar se íamos conseguir.
Precisava da luz das estrelas para começar a minha viagem até ao outro mundo porque para nós, aquela ponte era a ponte para o nada, pois o nada era melhor que o nosso tudo.

Esquecimento


Encontro hoje razões para me sentir triste quando vejo aquilo que me deixaram nas mãos enquanto olho o que me deixaram no coração. Não consigo deixar para trás as gavetas que ficaram armazenadas em sítios que pensava perdidos e esquecidos cada vez que tento mudar o meu caminho. Já tentei, já consegui, já voltei, já me perdi. As gavetas vêm e voltam com as coisas que vieram e fico sem saber onde guardar as que vêm, fiquei sem espaço, completo, da mesma maneira que sobem as águas do rio quando a chuva vem e transbordam sem querer saber de ninguém. A minha água já transbordou á muito das margens e agora só o sol a pode vir secar.
Guardei tudo o que podia nas minhas gavetas durante os dias em que julgava estar a construir as linhas dos meus desenhos. Guardei cores e fantasias e juntei lápis com canetas porque tudo sabia tão bem que nunca queria que acabasse. Juntei gavetas e gavetas para nunca mais as perder mas hoje são essas mesmo que quero deitar fora e não consigo. Não consigo abrir espaço para elas saírem, são grandes de mais para estarem guardadas em mim, quero que alguém as venha buscar e leve para longe.
Deixei, esqueci, deitei-me e apaguei a luz para dormir mas não consegui para de ouvir o barulho do silêncio. Era ensurdecedor e não me deixava adormecer. Fez-me levantar. Não conseguia abrir os olhos porque a luminosidade da escuridão era mais forte que a luz do sol. Fez-me fechar os olhos. Deixei de sofre durante o tempo que senti tudo controlado, mas dei por mim em pé, de olhos e gritando para alguém ouvir só que não estava ninguém e ninguém respondeu. Gritava mais alto e não conseguia parar quando a voz começou a doer e o som do grito ecoando na minha cabeça até que o grito parou porque esgotei as vontades que me faziam gritar. O grito parou, mas continuava a ouvir o som sem me aperceber de onde vinha quando notei que nunca tinha sido eu quem estava a gritar, tinha sido o meu coração a impedir-me de cair no esquecimento.

Mágoa

Enches o meu mundo com as mesmas palavras todas as noites antes de adormecer e todas as manhas depois de acordar mas deixas-me confuso quando ouço o que dizes e vejo o que fazes.
Agora, talvez já não acredite no que dizes ou não queira acreditar no que fazes porém quando me obrigas a escolher entre uma e outra prefiro sempre escolher-te a ti, ainda.


Mesmo no meio da multidão há um sentimento de solidão que se ergue mais que todos os outros, não há vozes nem luzes e sinto-me sozinho como um prisioneiro sentado no chão da sua cela. Uma cela sem janelas, sem paredes, contudo na qual estou preso porque tenho medo de sair e de te encontrar.


Já sinto a mágoa que resta entre os nossos corpos, esta dor induzida provoca em mim um efeito de tristeza que tento libertar pelo meu olhar e que tu não reparas. Ao lado não há mais nada, só eu e a minha mágoa, porque tu não fazes nada para afastar este sentimento dos meus sentidos.


Foste embora e quando regressaste foi tudo diferente. Não parecias a mesma, voltaste o olhar e apenas soltaste um sorriso para mim que soube a tão pouco, tão insípido, tão triste. Tenho esperança de voltar a ver-te como eras quando eu te conhecia e voltar a dizer-te que gosto quando brilhas dentro de mim.


A mágoa que me magoa deixa-me sem força para continuar a construir o meu universo, sem força, sem vontade, sem graça, sem felicidade… sem ti. Porque tu és o Sol e eu a Terra mas foste eclipsar-te pondo a Lua entre nós.

Esperança


A esperança não é a ultima a morrer, tu és a ultima a morrer porque não deixo que seja de outra maneira. És tu que a prendes e a vais enterrar no teu túmulo tal como me vais enterrar a mim dentro do teu coração. És tu que a guardas e que a transmites pelas palavras que não deixo escapar da tua boca, pelos olhares que não deixo escapar dos teu olhos, pelos gestos que não deixo escapar do teu corpo.


Já viste a Lua hoje? Não a deixes esconder porque para escondido já basto eu de todas as vezes que me foges como um fantasma que nasce do escuro e não tem medo da luz. Não importa nada, eu espero com esperança e sei que és igual ao sapo que se transforma em príncipe por isso vou-te encontrar, vou-te beijar e fazer transformar em princesa, tal igual à que és agora mas sem me fugires da mão desta vez.


Sapo, fantasma ou princesa não importa a forma que tenhas agora, depois de provar ao que sabes basta-me fechar os olhos e imaginar o perfume que emanas e o brilho que cintilas para invocar que no fim vais ser minha. Não quero saber quando, desde que seja já.


Espero, desespero, acredito e aguento porque quero, juro promessas impossíveis, encontro caminhos escondidos até lugares perdidos em terras de ninguém onde posso gritar o teu nome e dizer-te que espero com esperança. Locais onde posso dizer-te que estou vivo e a tua espera mesmo quando não me procuras ou quando me encontras, quando me amas e de desprezas, quando me tocas e sinto as tuas mão frias, quando me abraças e não me apertas. Mas estou vivo sempre que tu também o estiveres.

Mar

Porque levas tão longe as promessas de todos e porque são tão poucas aquelas que trazes de volta? São Lágrimas que fazem de Ti aquilo que és, são elas que Te oferecem noite e dia a cor azul da tua identidade e que alimentam sempre a tua sede de vingança, as mesmas que me caem dos olhos em jeito de choro mudo em que me envolveste.


Aqui sentado nesta pedra consigo cheirar o odor dessas almas que levaste enquanto Te viam partir e chegar mas que nunca te conseguiram compreender. Sou eu apenas mais uma dessas almas? Consigo ver daqui o pôr-do-Sol todas as tardes dos meus curtos dias, consigo vê-Lo, mas não consigo ver ninguém a meu lado que o compreenda porque tudo foi levado por ti, Mar.


Contudo, és forte demais para eu conseguir trazer algo de volta. Por mais que tente não encontro forças nas minhas entranhas, mas enquanto tento, sentado na mesma pedra todos os dias, tenho a sensação que não és tu o Forte, mas sim eu o fraco. Um dia quero ser assim, grande como Tu para poder chegar às estrelas e finalmente puxar aquela que mais falta me faz, aquela que um dia foi afogada por Ti nas tuas águas pesadas que gostas de ostentar e da qual nenhuma piedade tiveste.


Aqui continuo, à espera que um dia tragas algo que me salve e me torne mais forte para finalmente te derrotar.

Música


Música, sons distintos que se juntam na esperança de atingir a harmonia mimetizando os harmónios puros do diapasão. Música, ruídos estridentes e gritantes misturados numa forma única de força e poder libertados em ondas sonoras. Música, o som da tua voz libertada pelos teus lábios.

Ao meu lado os teus lábios cantam melodias doces que se entranham por entre a minha carne e os meus ossos. É essa tua voz que os faz vibrar durante o tempo em que cantas para mim quando me queres enfeitiçar. Parece-me que, embora queria, não consigo deter as notas musicais que libertas. Duvido do que elas dizem porque quanto mais entranhado me sinto, mais entranhado me quero sentir. Tal como numa areia movediça vou ficando mais enterrado em cada movimento que faço para me soltar.

Deixa-me cerrar os olhos e tapar os ouvidos durante o coro das tuas canções, só assim eu encontro o espaço e o tempo para poder saborear todos os recantos das fantasias que fala e contas. Apesar de me sepultar mais fundo só assim consigo ver as estrelas do teu coração nas noites em que sobes ao palco.

No fim, quando terminas o teu acto, volto a descobrir o meu olhar e definitivamente conhecer aquilo que me trouxe para esta fantasia. Foste tu, já terminou mas ainda me sinto entranhado pela tua voz e não sei quando me conseguirei soltar. Ao lado, encontras-te com o teu olhar delicado e é evidente, agora que te toco e beijo, que ouço o bater do teu coração e sinto o sabor da tua canção.

A Ilha


Chegaste, abres a porta e sentes a diferença no ar que toca o teu rosto e nas cores que brindam o teu olhar. Esvaziaram-se as dúvidas de que chegaste ao mundo em que estavas a pensar quando decidiste partir. Agora, mesmo que já não o querias receber já é tarde de mais para voltar atrás porque o mar não te permite regressar.

Cheira a verde e sabe a mar, o ar húmido não deixa que os teus lábios sequem mas também torna este calor numa espécie de vapor ardente. Sentes-te sozinho neste pequeno pedaço de terra porque por mais seres que contemples, todos podem ser engolidos pelo mar. São estes os primeiros passos que te atreves a dar e estes os sentimentos que apenas vais libertar no momento da partida.

Segues em frente depois de ganhares coragem e entras nesse novo mundo desconhecido apenas pelo prazer de o explorar. Não tens medo, tens receio do que vais encontrar para lá da segurança da areia branca e da leveza da água transparente do oceano. Na verdade, contra o incógnito só levas a tua vida numa mão e a tua presença na outra.

Anoitece mais depressa do que esperas e o tempo parece que voa sobre a tua cabeça em direcção ao mar onde vislumbras por instantes o pôr-do-sol. Podes ver sentado numa rocha o nascer e o pôr-do-sol, o reflexo da lua no oceano, as sombras espalhadas pela areia, a água rodeando a tua imaginação… No fim de contas, estás na Ilha.

Pensa


Já me envolvi para tentar encontrar a razão pela qual pensamos na Morte mas até hoje nunca a encontrei. Já pensaste na Morte? Eu já.

Foste tu quem já me faz pensar na Morte e me deixaste suspenso por entre as malhas da vida e os buracos da extinção. Por mais que pense não chego a lado nenhum, nenhuma conclusão, fico parado neste lugar à espera da resposta que não chega e que sei que só vai chegar no dia em que já não precisar dela. Neste momento gostava de preferir os engodos da vida em vez das dores da Morte mas a vida não passa disso mesmo, um engodo simples que me faz sorrir e me seduz enquanto não consigo ver a realidade.

Já tive medo de morrer mas mais medo tive de viver e de encarar a realidade quando indesejada. Muitos já se sentiram assim algures nos seus universos nos momentos em que faltaram as suas estrelas para dar luz aos seus planetas. Já tive medo mas não vale a pena ter mais.


Já me tiraram os sonhos que tinha sobre a vida e as ilusões sobre a Morte, já me devolveram os desejos e voltaram a tirar, já tive a esperança de um momento e a carência de um olhar, já tive as dores de uma árvore arrancada pela raiz. Já tive mas não vale a pena ter mais.


Já sei que não vale a pena e vai haver sempre um sol no universo de cada um que não vai deixar apagar a chama da vida. Já encontrei a resposta para isto por isso quando pensares na Morte, Grita! Eu vou-te lá buscar.

Folha de um Diário

Sai de casa hoje de manha, estava frio, e o sol mal aquecia a pele que me cobre o corpo. Levantei e arrastei os meus pés em direcção ao Mondego mas reparava que eles não se queriam mexer da maneira como eu idealizava, estavam presos, estavam pesados, estavam tristes.

Depois, lá estava eu na rua, batendo o dente, sentindo o cabelo a despentear-se ao vento forte matinal quando por fim me dignei a avançar no meu caminho. Não tinha rumo nem ponto de chegada mas continuava o meu caminho sem pensar no dia de amanha. Finalmente atingi o rio que corria sereno sem grande sobressalto por entre pontes e cidades até ao dia em que chegará ao mar.

Senti o vento que soprava vindo da nascente e era como se levantasse os meus pulmões e sugasse o ar que tentava reter dentro de mim. Sabe bem. O vento tocando no rosto e levantando o cabelo que esvoaça. Deixo-o esvoaçar, faz com que os sonhos se levantem por entre os fios tristes das minhas vontades. Deixo-os levantarem-se na esperança que subam tão alto quanto necessitam para se realizar.

Mais a baixo neste rio sereno descobri uma família. Eram simplesmente patos que nadavam descansados enquanto observavam o mundo girando a sua volta. Havia grandes, pequenos, brancos, pretos e amarelos, mas todos eram simplesmente seres vivos gozando os momentos que lhes foram oferecidos por uma espécie de Deus. Não têm medo de nós, aproximam-se como quem nos quer conhecer e grasnam uns para os outros para não entendermos o que estão a querer proferir. Existem felizes sem terem que se preocupar com o dia de amanha e sinto inveja por não poder viver assim, simples, calmo, tranquilo.

Até que me lembrei do que estava ao meu lado. Não era eu, era a tua presença que fazia com que isto acontecesse, eras tu que atraias a natureza e era a ti que ela queria conhecer.

Sono


Tive sono hoje quando me levantei, tive vontade de dormir mesmo antes de acordar, senti o cansaço triste dos meus olhos e a falta de vontade do meu corpo para se mexer. São as formas do sítio em que me deito e as cores que envolvem o meu sono que o tornam algo de incompatível com as minhas emoções.
Deixem-me poder dormir até não existir mais o nascer do sol e o mundo se transformar num campo de trevas onde apenas existem duas cores, o preto e o branco. Não quero que me acordem mais enquanto descanso os meus humores profundos pois assim eles não terão que correr mais pelo meu corpo. Em seguida, depois de tudo isto parar, vão parar as vontades, vão parar os desejos, vão parar as cores materiais de entrar na minha imaginação, vão os sentimentos deixar de existir e vou poder finalmente dizer que durmo para sempre no recanto mais escuro do universo.

Não voltes a acordar-me porque cada vez que o fazes sinto-me mais triste e mais cansado, mesmo quando sou eu a acordar-me a mim mesmo fico estupefacto com o sofrimento que um simples abrir de olhos provoca num ser humano tão débil. Os meus olhos só querem descansar e dizer que já foram brilhantes, brilhantes até ao dia em que se apagaram.

Gosto de adormecer só por entre pensamentos transparentes que a tua presença torna turvos, nem é necessário que seja a tua presença, basta a minha imaginação para passar de sonho a pesadelo. Pesadelo onde não há luz ao fundo nem ninguém que me oiça gritar, de onde quero sair e não me deixas, não por culpa tua, mas por culpa da minha vida. Deixem-me desistir de acordar, deixem-me ser para sempre uma simples aparência num mundo que não gosto e poder voar nas asas dos sonhos até que as mãos certas me venham buscar para ser feliz. O sonho que tenho hoje é o mesmo que terei amanha enquanto não exista alguém que me saiba acordar.