Pedra Papel Tesoura

Pedra papel tesoura. São os três vértices de um só triângulo que é este jogo infernal onde só um destes objectos podemos escolher. Qualquer criança saberá dizer que a tesoura corta o papel, a pedra destrói a tesoura e o papel embrulha a pedra. Regras simples, jogo rápido, consequências complicadas.

Queres jogar? Não tem nada que enganar. Vais aceitar o convite com alguma desconfiança mas não te censuro por isso. Os homens são animais de hábitos, de vícios. Qualquer mudança à sua rotina é vista com desconfiança e desagrado. Só quando voltam a construir os seus costumes se sentem de novo confortáveis, até que algo volte a desafiar os seus actos generalizados e prolongados. Passado essa fase, vais sentir a adrenalina correr nas veias com vontade de experimentar o que há de novo. Entendes as normas, começa a contagem decrescente. As dúvidas caem sobre a tua cabeça fazendo congelar os teus pensamentos e decisões, não vais conseguir escolher.

O tempo começa a esgotar-se e tu ainda não fizeste a tua escolha. Retardas ao máximo o movimento do braço para tentar discernir um sinal do adversário que te facilite a escolha. Procuras um pulso fechado, uma mão aberta. Algo. Alguma coisa que ajude a tua decisão mas nada aparece por entre o corpo do adversário. 

Queres ter a certeza que tomas a decisão certa mas isso quase nunca é possível. A certeza matemática está fora de questão porque não tens a capacidade de prever eventos aleatórios. A certeza psicológica nunca terás porque nem tu mesmo tens ideia de onde te estás a meter. Só depois das consequências sabemos se estamos certos ou errados. Mesmo percebendo que estando errados não podemos alterar as nossas decisões e nada nos garante que, alterando, tudo aconteceria de forma diferente.

Ouves o "Já!" e é agora. Só tens 1/3 de hipóteses de acertar mas também apenas 1/3 de hipóteses de errar porque para ficar tudo na mesma mais vale não jogar.

Banda Sonora

Os meus sonhos não têm banda sonora, nunca. Não são nada parecidos com aquelas cenas de cinema onde a sonoridade acompanha as acções e os diferentes ângulos alternam ao som da música. as personagens parecem embebidas no cenário falso, simplesmente construído para a ocasião, como se toda a sua vida ali tivesse sido gasta. É tudo tão natural que não parece encenado, parece vivido.
Nos meus sonhos nada acontece  acontece tão fluídamente. Fragmentam-se as cenas consecutivas, sobrepõe-se ao juízo trazendo consigo epopeias impossíveis das quais, enquanto dormimos, nada desconfiamos. Construções incríveis da mente, fisicamente difíceis de executar, que são geradas em fracções de segundo dentro dos meus lençóis, desafiando tudo aquilo que conheço para que eu as possa percorrer desenfreadamente e pensar que são reais.
As cores esbatidas, baças, sempre com os mesmo tons, pintam as paredes , pintam o chão, pintam o céu. Na verdade, quando acordo, tenho sempre a sensação de que todo o sonho está limitado dentro de 4 paredes. Paredes pintadas de cores absurdas como se o mundo fosse um cubo finito do qual não estou autorizado a sair.
As vozes apenas ecoam dentro da minha cabeça. Eu não falo, eles não falam. Penso por mim e penso pelos outros. Invento palavras sem mexer os lábios e respostas sem ter esperar por elas. Aquilo que penso por mim é uma reprodução da realidade, o que penso pelos outros é uma tentativa de adivinhar o seu comportamento.
Os meus sonhos não têm banda sonora, não têm personagens, não têm cenários. Sou eu o construtor de tudo e o mestre do enredo. Os meus sonhos são apenas eu.