Jardins Proibidos

Deixaste-me contente com as tuas promessas de companhia para aquele dia frio onde apenas os nossos corações escaldantes podiam aquecer o ambiente. Esperei a sorrir naquele banco de jardim, gelado, feito de pedra suja e desgastada. Parecia estar ali há anos sem que ninguém se tenha servido dele mas, na verdade, o banco era o meu melhor amigo, o único capaz de suportar o meu fardo. O verde de ervas daninhas manchava o cinzento do granito Era de adivinhar que a orientação para norte não permitia que o banco se visse livre desses parasitas. Não existia uma única erva seca, tudo era verde e fresco naquele lugar onde o tempo parecia estar congelado.

Continuava, à espera, com um prazer de quem espera acordado na cama a hora de levantar. Reparei numa pequena fonte que já quase não gerava a pressão necessária para expelir água. Mesmo estando no inverno dava a sensação de ter chovido pouco por aquelas paragens embora isso contrariasse a minha teoria sobre tudo estar verde, talvez fosse do orvalho.

Aquele lugar, apesar de estranho parecia ter algo de familiar. Tinha mesmo a sensação que já tinha passado por esse momento, por aquele lugar, por aquela espera. Este déjà vu misturou o sentimento de prazer com a estranheza de quem vai cair numa armadilha mas o aproximar da hora do nosso encontro fazia desaparecer qualquer receio que se aproximasse.

Chegou a hora e já não tinha mais que observar naquele lugar por isso esperei... e esperei.


As viagens para fora da minha Terra

Consegues ter a certeza do que acontece amanhã, do sítio que te espera quando tiveres que deixar o conforto do teu mundo, a protecção das tuas paredes ? Eu não tenho.

À frente abrem-se os caminhos irregulares do meu futuro e as passagem para o outro lado, aquele que desconheço, que se apresenta sombrio. É esse o lado que também mais me atrai e no qual anseio estar em breve. chegou a hora da mudança e sinto que é bem vinda. A saturação do reinicio recorrente e do objectivo entendido (não construído) atingiu o limite. Não me consegues seduzir, perdeste toda a emoção porque o tempo é inimigo da novidade e da inexperiência. Os teus cheiros, os teus problemas, as tuas injustiças já não me magoam nem tiram o sono. Muito dizem que encontrar um amor é como despertar, para eles eu respondo que depois de despertar há sempre um adormecer. Eu acordei mas agora tenho os sentidos anestesiados.

O fim está próximo, já consigo sentir as suas consequências. Chegar ao fim da linha é começar a sentir a nostalgia, terminar cada fase e respirar de alívio par ser a última. Recordar cada momento de tristeza num segundo e cada momento de alegria num minuto. Já só tenho, antes de ir, que resolver as pontas soltas para que não haja fantasmas no futuro.

Tudo tem o seu tempo. O teu está a acabar. Só quero arrumar as ideias, limpar os ressentimentos e deixar o que tenho de bom para os que vêm depois. Sei que não vais ficar só, há sempre alguém que te entenda e queria mimar. Olho para eles, esperando por uma oportunidade e digo: Agora é a vossa vez.



O auditório

A vida, um piano de cauda à minha frente, castanho avermelhado. Castanho como este mundo sobre o qual teimo em caminhar chamado Terra. Avermelhado, apenas pelo sofrimento que contem e do qual nunca conseguirei extrair uma simples sinfonia.
Um pequeno banco, feito de um aparente veludo onde, com apenas o passar da mão, sinto que a minha pela é rasgada pelas suas fibras. Tudo isto sobre um soalho de madeira, madeira essa que teria sido um carvalho, carvalho esse que teria sido mais um ser deste planeta chamado Terra, mais uma vida ondulando ao sabor do vento. Agora apenas é madeira, morta, triste, negra, tal como o piano que reside a minha frente.
Tudo isto dentro de um enorme auditório ensurdecedoramente silencioso onde apenas existiam cadeiras vazias para ouvir o que eu não estava apto tocar naquele piano. Cortinas paradas para ver um concerto que nunca se realizaria e portas fechadas para que não penetrasse um pequeno fotão da luz das estrelas. As luzes, essas eram artificiais, tenuemente amareladas, tenuemente dolorosas que queimam a minha pele à passagem do seu brilho destruidor. Destroem a minha visão a partir do instante em que ganham vida para reduzir a minha pupila a um simples ponto.
Que auditório este, fraco, sereno, morto. Apenas contendo uma essência inútil, este piano que sangra por todas as suas teclas e do qual nunca extrairei uma sinfonia.