Prendas e Presentes

É tempo de natal e deixaste a magia suspensas no horizonte. Sei que não fazes por mal, mas é inevitável o rasto doce que o mundo proclama à tua passagem, o mesmo por quem ele suspira na tua ausência. É tempo de dar prendas e presentes e todos, com consciência ou não, parecem estar habituados a este ritual.  É tempo de natal e já não tenho idades para receber prendas. Isso é para as inocentes crianças que deliram com os papéis de embrulho coloridos e os grandes caixotes de papelão.
Todos os anos o Natal chega sempre na mesma altura mas é sempre um corrupio quando tenho que procurar as prendas. Como habitual, tudo fica para a última, como que se o tempo se suspendesse perto do dia 24 para ficarmos a sós com as nossas ideias de ofertas. Mas há um pequeno detalhe, o tempo não pára, não espera por mim. Não gosto de dar prendas, é por isso que tudo sai em cima da hora, sem pensar, sem sentimento. Não sei como os outros não reparam que estas prendas são sempre vazias. Tenho sorte que são inocentes e não só as crianças, os outros também.
Tu não tens direito a prendas, tens presentes. Estes sim não são dados em cima da hora de forma atabalhoada e sem sentimento. Esses posso dar-te a qualquer hora, oferecer-te a cada dia, não preciso de ocasião especial. Os presentes, a presença, a tua presença, o teu ser é a melhor coisa que posso receber este Natal e é disso que tenho saudades com o passar das horas.

A vida por um fio

O frio gélido da noite estava presente em qualquer lado que eu olhasse. As poucas pessoas, encasacadas, os vidros dos carros embaciados, as lojas fechadas nas quais apenas eram visíveis as grades ferrugentas, a condensação do vapor de água que expirava. Tudo isto, fazia daquela uma qualquer noite regular de inverno.
De mãos nos bolsos caminhava rapidamente tentando aquecer-me através do exercício. Mesmo assim, nesse frenesim, sentia os pés adormecidos devido ao ar que penetrava pelas sapatilhas primaveris e mal isoladas. As luzes amareladas dos fracos lampiões de rua deixavam o ar com um tom sépia idêntico às fotografias antigas e pálidas. É a cor que me faz lembrar os tempos dos avós em que todos eram felizes com pouco e alguns contentes com coisa nenhuma.
A cor, o frio e o deserto lívido de ideias, mas formigando de acções, fizeram acelerar o meu coração. Estavas caído no passeio de calçada e o teu sangue quente escorria por entre as pedras. Os gritos, em tanto desespero, eram bem audíveis, ecoavam pelas paredes circundantes e as ideias palpitavam a tanta velocidade que impediam os actos.
Coragem, onde foste? Vendo aquela personagem, tombada no solo, rodeada de pessoas em grande excitação foste logo abandonar-me. A força não apareceu e a estranheza da situação não causou mais do que o aparecimento do medo. Não fiquei para ver como terminou aquela cena. Outros mais aptos que eu conseguiram lidar com o sangue daquele inocente.