Pensa


Já me envolvi para tentar encontrar a razão pela qual pensamos na Morte mas até hoje nunca a encontrei. Já pensaste na Morte? Eu já.

Foste tu quem já me faz pensar na Morte e me deixaste suspenso por entre as malhas da vida e os buracos da extinção. Por mais que pense não chego a lado nenhum, nenhuma conclusão, fico parado neste lugar à espera da resposta que não chega e que sei que só vai chegar no dia em que já não precisar dela. Neste momento gostava de preferir os engodos da vida em vez das dores da Morte mas a vida não passa disso mesmo, um engodo simples que me faz sorrir e me seduz enquanto não consigo ver a realidade.

Já tive medo de morrer mas mais medo tive de viver e de encarar a realidade quando indesejada. Muitos já se sentiram assim algures nos seus universos nos momentos em que faltaram as suas estrelas para dar luz aos seus planetas. Já tive medo mas não vale a pena ter mais.


Já me tiraram os sonhos que tinha sobre a vida e as ilusões sobre a Morte, já me devolveram os desejos e voltaram a tirar, já tive a esperança de um momento e a carência de um olhar, já tive as dores de uma árvore arrancada pela raiz. Já tive mas não vale a pena ter mais.


Já sei que não vale a pena e vai haver sempre um sol no universo de cada um que não vai deixar apagar a chama da vida. Já encontrei a resposta para isto por isso quando pensares na Morte, Grita! Eu vou-te lá buscar.

Folha de um Diário

Sai de casa hoje de manha, estava frio, e o sol mal aquecia a pele que me cobre o corpo. Levantei e arrastei os meus pés em direcção ao Mondego mas reparava que eles não se queriam mexer da maneira como eu idealizava, estavam presos, estavam pesados, estavam tristes.

Depois, lá estava eu na rua, batendo o dente, sentindo o cabelo a despentear-se ao vento forte matinal quando por fim me dignei a avançar no meu caminho. Não tinha rumo nem ponto de chegada mas continuava o meu caminho sem pensar no dia de amanha. Finalmente atingi o rio que corria sereno sem grande sobressalto por entre pontes e cidades até ao dia em que chegará ao mar.

Senti o vento que soprava vindo da nascente e era como se levantasse os meus pulmões e sugasse o ar que tentava reter dentro de mim. Sabe bem. O vento tocando no rosto e levantando o cabelo que esvoaça. Deixo-o esvoaçar, faz com que os sonhos se levantem por entre os fios tristes das minhas vontades. Deixo-os levantarem-se na esperança que subam tão alto quanto necessitam para se realizar.

Mais a baixo neste rio sereno descobri uma família. Eram simplesmente patos que nadavam descansados enquanto observavam o mundo girando a sua volta. Havia grandes, pequenos, brancos, pretos e amarelos, mas todos eram simplesmente seres vivos gozando os momentos que lhes foram oferecidos por uma espécie de Deus. Não têm medo de nós, aproximam-se como quem nos quer conhecer e grasnam uns para os outros para não entendermos o que estão a querer proferir. Existem felizes sem terem que se preocupar com o dia de amanha e sinto inveja por não poder viver assim, simples, calmo, tranquilo.

Até que me lembrei do que estava ao meu lado. Não era eu, era a tua presença que fazia com que isto acontecesse, eras tu que atraias a natureza e era a ti que ela queria conhecer.

Sono


Tive sono hoje quando me levantei, tive vontade de dormir mesmo antes de acordar, senti o cansaço triste dos meus olhos e a falta de vontade do meu corpo para se mexer. São as formas do sítio em que me deito e as cores que envolvem o meu sono que o tornam algo de incompatível com as minhas emoções.
Deixem-me poder dormir até não existir mais o nascer do sol e o mundo se transformar num campo de trevas onde apenas existem duas cores, o preto e o branco. Não quero que me acordem mais enquanto descanso os meus humores profundos pois assim eles não terão que correr mais pelo meu corpo. Em seguida, depois de tudo isto parar, vão parar as vontades, vão parar os desejos, vão parar as cores materiais de entrar na minha imaginação, vão os sentimentos deixar de existir e vou poder finalmente dizer que durmo para sempre no recanto mais escuro do universo.

Não voltes a acordar-me porque cada vez que o fazes sinto-me mais triste e mais cansado, mesmo quando sou eu a acordar-me a mim mesmo fico estupefacto com o sofrimento que um simples abrir de olhos provoca num ser humano tão débil. Os meus olhos só querem descansar e dizer que já foram brilhantes, brilhantes até ao dia em que se apagaram.

Gosto de adormecer só por entre pensamentos transparentes que a tua presença torna turvos, nem é necessário que seja a tua presença, basta a minha imaginação para passar de sonho a pesadelo. Pesadelo onde não há luz ao fundo nem ninguém que me oiça gritar, de onde quero sair e não me deixas, não por culpa tua, mas por culpa da minha vida. Deixem-me desistir de acordar, deixem-me ser para sempre uma simples aparência num mundo que não gosto e poder voar nas asas dos sonhos até que as mãos certas me venham buscar para ser feliz. O sonho que tenho hoje é o mesmo que terei amanha enquanto não exista alguém que me saiba acordar.